terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

literatura caseira


(cont.) "Eram horas de passar o Armando! Luzia afastou primeiro as cortinas que esbatiam a luz áspera, reflectida pela grande parede branca da casa em frente. Depois abriu a vidraça de par em par e esmagou um raminho do seu manjerico entre os dedos.
O Armando aparecia agora no triângulo de luz no cruzamento da rua.
— Trago-te uma notícia! — disse ele ao chegar junto da janela.
— Diz lá! Parece ser coisa boa. Vejo-te tão satisfeito!
— Nem calculas o que te vou dizer...
— Diz depressa! Estás com vontade de me ver atormentada.
— Não adivinhas? Hoje não me fazes a pergunta do costume?
— Falaste ao mestre?
— Falei!
— Vai-te aumentar o ordenado?
— Vai!
— Parece que adivinhava! Ainda hoje rezei ao meu Santo Antoninho! Então podemos casar?
— Podemos tratar das coisas. Até parece mentira! Já namoramos há tanto tempo, Luzia!
— Nem estou em mim de contente.
— Vou para casa dar a notícia aos meus velhos pais. Boa noite, Luzia. Sonha com a nossa felicidade!
Cheio de pressa, para contar a novidade em casa, armando seguiu o seu caminho sorrindo e acenando a Luzia que correu à cozinha à procura da mãe.
D. Jacinta, doceira afamada, estava tão atarefada a tender bolos que nem deu pela entrada de Luzia. A rapariga não sabia como romper o silêncio. Esperou uns momentos para se concentrar. Olhou então para a mãe, rodeada de tabuleiros, cheios de bolos, uns acabados de tender, outros torradinhos e cheirosos, sáidos do forno. Olhou em redor. Sobre a beira da chaminé luziam tachos de cobre ruivo, uma rétia de cebolas pendia a um canto. No escaparate negro brilhavam pratos azuis, de louças antigas; travessas e canecas de barro tosco, enfeitados por mãos carinhosas de algum oleiro artista. Da masseira expandia-se um cheiro acre e doce, de massa a levedar. As lajes do chão, ásperas e cinzentas, estristeceram os olhos de Luzia. Ia deixar tudo aquilo, ia deixar a mãe e aquele cantinho tão conhecido e enternecedor onde se criara.
— Em que cismas, rapariga? — disse D. Jacinta ao reparar na filha.
— O Armando vai passar a ganhar o suficiente para podermos casar.
— É por isso que estás triste?
— Vou dexá-la a si. vou deixar esta casa.
— Ainda me custa mais a mim ficar sem ti e viver aqui sòzinha. Mas não te prendas por mim, filha. Quem casa quer casa. Assim fiz eu, quando casei com o teu pai, a quem Deus tenha a alma em descanso." (cont.) (Quem Casa Quer Casa, Colecção Educativa)

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