sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

literatura caseira


"Um manjerico à janela, uma parede caiada e uma soleira muito varrida era tudo quanto enfeitava a fachada da casa de D. Jacinta encrustada entre o casario desalinhado duma rua escondida e estreita da Vila de Fontanelas. A casa era pequena, na verdade, mas chegava bem para a D. Jacinta que ali vivia desde que casara. Ali soubera da morte do marido que fora para o Brasil e ali nascera a filha, a Luzia, que era todo o seu desvelo. Todas as manhãs a Luzia abia a janela para regar o manjerico e à tardinha, depois das cinco, lá estava ela novamente, não para regar o manjerico, mas para ver passar o Armando, carpinteiro, que a essa hora vinha da oficina. Ela ganhava a vida como costureira e no quarto a máquina era o único móvel de valor. A cama era de ferro, pintada de rosa, coberta duma colcha de trapos cosidos a formar desenho e rodeada dum folho de cassa. Aos domingos punha-lhe uma de renda muito antiga mas sempre bonita. Quanto mais bonita não era, que aquelas colchas de seda que os ciganos vendem às portas!
Soou o sinal da fábrica! Eram cinco horas! Luzia atravessou o quarto a passos apressados por cima da manta de farrapos estendida sobre as tábuas carcomidas do chão, que rangiam e cediam com o peso de quem passava. Até a cómoda estremeceu, aquela cómoda picada do bicho, onde o Santo Antoninho balouçava o menino quando abanava o sobrado e as florinhas na jarra de louça da feira pareciam sorrir de contentes." (cont.) (Quem Casa Quer Casa, Colecção Educativa) (1956)

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